sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Faz hoje um mês...

Antiga Escola de enfermagem no Hospital Principal de PAP

Faz hoje um mês que o mundo recomeçou a contagem dos anos no Haiti... Se a biblia esteve certa certamente o apocalipse terá começado aqui.... Só hoje consegui, por falta de tempo, descrever os primeiros dias na "clínica". As primeiras viagens para o centro da cidade...
Se pudesse ligar as minhas emoções à porta USB do computador faze-las transformar em palavras, certamente poderia revelar-vos mais do que aqui se passou... Retiro as minhas palavras... Toda a cidade está de restos. Em todas as ruas existem edificios caidos, completamente transformados em pó... Em todo o lado... Ainda nem sequer consigo entender na minha cabeça o que se passou aqui... Não consigo entender o que teram vivido as pessoas naqueles 28 segundos e nos dias que se passarão... Digo isto sem ser de forma alegórica mas quem quer que tenha vivido aqueles momentos CERTAMENTE pensou que o mundo estava a acabar. Imaginem tudo o que está à vossa volta a cair, o vosso mundo a ser absolutamente sacudido. As descrições são absolutamente incriveis... Um estudante de Medicina que nos ajuda descreveu que estava num carro... de repente o carro começou a banar quase até virar. No mesmo momento em que sairam do carro e começaram a correr uma bomba de gasolina explodiu. Muitas pessoas foram expelidas, queimadas, portas voavam... Não sei... O mundo caiu aos pés deste povo já de si massacrado. E vive neles a culpa e a responsabilidade de ter provocado esta catátrofe... Hoje por pouco, e pela primeira vez, quase chorei... Vi dos momentos mais incriveis e significativos da minha vida... Fomos chamados ao centro do campo perto da clínica pois haveria jovens a sentirem-se mal. Na "cerimónia" de memória do primeiro mês decorria uma celebração religiosa no centro. Acabamos por nos vermos no meio de milhares de pessoas, com os braços no ar... Gritavam, todos, a alta voz, para que Deus os ouvisse, "Perdoa, Perdoa o Haiti".

 A vozes elevavam-se o máximo que podiam e o acumular das milhares de bocas tentavam de facto chegar a Deus... Nunca tanto eu desejei que Ele de facto exista e que possa de facto ouvir esta cidade. Queria eu próprio fazer o milagre impossivel de acontecer...

Por outro lado a actividade médica é também desesperante mas estamos a conseguir fazer muito trabalho com muito pouco. Temos poucos medicamentos, muita gente para ver. As crianças são fabulosas mas estão doentes e não temos medicamentos para lhes dar... Corro a todo o momento para ver o que posso fazer, o que lhes posso dar... Que sorte nós temos no nosso País... E como nos queixamos do tempo para ter uma consulta, do tempo para espera num centro de saúde... que os medicamentos são caros... Que sorte nós temos.
Resta-me fechar os olhos e ir buscar ao meu coração o meu mais profundo sentido de esperança... Nos próximos 100 anos esta cidade necessitar de muita muita esperança.
Obrigado por todas as mensagens, obrigado por ouvirem, obrigado por terem esperança também...
Ricardo

4 comentários:

  1. Só há uma palavra para descrever as imagens e o que tens descrito ao longo destes dias, CHOCANTE!Está a acontecer exactamente o que tinhamos conversado, o cenário que encontraste é 1000 vezes pior do que a mente humana consegue imaginar!!Eu já sabia que pelo que costuma acontecer em outras catastrofes que os medicamentos não iam sequer chegar para tratarem as pessoas...fiquei mesmo a sentir-me minúscula quando disseste que não tinham medicamentos para dar às crianças para as dores nem antibioticos,etc...faz nos realmente pensar o que é importante na vida!E nos em portugal sempre a queixarmo-nos disto e daquilo(eu inclusivé)!E não é que não tenhamos razão mas simplesmente são problemas pequenos ou inexistentes em comparação com esta tragédia ou apocalipse como muito bem disseste!Mais uma vez so te posso dizer que se eu já era orgulhosa da pessoa que és e a nível profissional já achava que eras um grande médico e belíssimo futuro especialista de MGF, agora "rebentei" com tanto orgulho que sinto pela decisão que tomaste em ir para o haiti!É de louvar!Apoiei-te e continuarei a faze-lo ag e sempre que a tua generosidade e coração ENORME seguirem este caminho!
    Desculpem se escrevi muito mas tinha de dizer isto publicamente!
    Beijinho enorme de quem te apoia e torce sempre por ti!FORÇA!

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  2. E porque te conheço, conheço as tuas palavras e as tuas expressões, o que escreves chega-me cheio de dor.Nada acontece por acaso (na minha opinião)e se estás aí, será concerteza por uma razão muito forte. É talvez muito mais profunda do que aquela que nos parece mais óbvia. No entanto a que é mais óbvia já vale tanto...FORÇA. Mando-te muito amor, de coração para coração, para que tenhas sempre as reservas em alta.

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  3. Cheguei aqui por via da mana S.
    Os relatos que faz, além de impressionantes, fazem-me tomar consciência do nosso (meu) egoísmo, quando nos queixamos até da neve que não nos deixa sair de casa...porque temos casa.
    Espero que a esperança continue, que o blog continue, que a Força não falte...pelas pessoas que está a ajudar e pela lição de generosidade.
    TP

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  4. Nunca estive no Haiti mas já estive na R. Dominicana, de férias claro, lembro-me de ter ficado muito impressionada com a pobreza da população e com o caos das ruas e dos mercados, tudo isto a contrastar com o luxo dos resorts.Imaginar um cenário ainda pior
    é arrepiante...
    Felizmente existem pessoas como tu que aliviam o sofrimento e transmitem esperança. Muita FORÇA, continua o teu excelente trabalho.
    Coragem
    EC

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